A ponte

domingo, outubro 21, 2012 9 Comments

Crônica - A ponte
1º lugar concurso SOBRAMES-PE/2012

                 
                O relógio ainda nem marcava quatro horas da tarde, mas ainda podia sentir o calor emanado pelo sol que estava prestes a se depedir de mais um dia na cidade mauriceia.
Tinha acabado de sair de mais um dia enfadonho de trabalho e fui pega de surpresa por uma cena, no mínimo, engraçada. Digo engraçada porque embora não demonstrasse visivelmente a felicidade que eu teimava em esconder, ainda sorria por dentro. Minha amiga, ao contrário, tinha na face uma expressão quase medonha: um misto de medo, arrogância, prepotência e orgulho. Não que eu fosse melhor que ela, admito que tinha lá meus receios, mas sempre tive a mania de esperar pelo melhor.
-Amiga, acho melhor atravessarmos a rua.
-Por que? – Indaguei automaticamente.
-Você não está vendo aquele grupo de meninos ali na frente? No meio da ponte?
-Estou vendo... E o que tem?
-Ora, até parece que você não vive em Recife. Você não tem medo de assalto?
-Tenho. Mas não acho que deveríamos atravessar até o outro lado. E além do mais, eles só estão brincando de pular no rio.
-A gente não pode dar chance, Nina.
Continuei em silêncio a fim de que ela mudasse de ideia, eu não iria mudar a minha. A estranheza que aqueles meninos me causavam era o que me fascinava. E a cena era pitoresca: não precisaria de nenhum bom pintor para se dar conta da obra-prima que se expunha diante de tantos transeuntes desatentos à vida lá fora e tão imersos ao que acontecia por dentro. Digo isso porque eu seria um desses transeuntes não fosse o que chamei, horas depois, de pequeno milagre:  mais cedo, quando deixei o carro na oficina e me despedia do mecânico da família, Carlinhos, e atravessava a rua, quase fui atropelada por um desses meninos da ponte. Claro, não era o mesmo, mas todos esses meninos da ponte são iguais: correm sem nome, de peito aberto, riem e são esquecidos nos asfaltos, nas feiras, em ruas enlameadas e também sem nomes. De qualquer forma, ele gritou:
-Ô, tia! Tem que olhar pros lados, né?
Aquele berro, vindo com toda a força que os pulmões de um menino, provavelmente desnutrido, de dez anos foi o meu pequeno milagre.
                Passei o dia pensando nas coisas que ignorava, nas vidas e histórias que passavam por mim e eu eu, solenemente, ignorava. Mais cedo, apesar do meu estresse, prometi a mim mesma que não mais olharia somente para frente, embora em frente deva ser o caminho a ser seguido, mas enxergaria o que minha visão periférica propusesse dali em diante.
-Ah! Está bem, mas segure a bolsa! Se lhe roubarem, não corro atrás de ninguém. Esteja avisada. – Reclamou minha amiga com uma certeza tão absoluta quanto a certeza do futuro.  Sorri.
                Ao passarmos pelo grupo de crianças, umas seis ou sete, senti minha amiga apressar o passo enquanto o medo se alastrava pelo seu corpo; eu, no entando, diminuí a marcha e fui contagiada pelos risos, provocações de quem era o mais corajoso e destemida bravura ao pular no rio poluído. 
                Dali, junto deles, me senti parte daquela obra-prima e vivi na pele a experiência de olhar para os lados.
-Ei, tia, quer pular também é?!
Fui pega de surpresa pela pergunta do menino mais próximo. Não sabia seu nome, nem saberia, mas seu rosto ficaria na minha memória para sempre: pele negra, beiços largos, olhos grandes e um sorriso brilhoso e livre.
-Hoje não. – Respondi rindo.
-A senhora é quem sabe. Mas sempre que quiser pular, a ponte está aqui. – virou, subiu no corrimão da ponte e se jogou. Era o grito mais alto de liberdade. Era a desmistificação da realidade.
Continuei meu caminho. De certo, é  preciso seguir em frente sempre, mas sempre há espaço para pequenos desvios. Aquele não era o meu dia, mas penso e quase numa oração, peço para que haja sempre uma ponte. E coragem.

Emma

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

9 comentários:

  1. Tá muito legal mesmo, Candinha! Mereceu muito essa primeira colocação!

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  2. Ai, gente, muito muito obrigada! ;)

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  3. Será, num futuro próximo, uma grande e reconhecida escritora. Meus Parabéns.E lembre-se: " Tu és a minha filha amada, em tua pessoa eu tenho alegria". Te amo.

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  4. Obrigada, Pai!
    Também te amo! muito!
    Oro a Deus por sua vida! :*

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  5. http://www.youtube.com/watch?v=zTFBJgnNgU4&list=AL94UKMTqg-9A9mC6KlxPLKq7QNiv39V4h

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  6. Muito bom! :) Só queria saber quem é o anônimo! :D hehe

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  7. Sie sollten wissen.
    kkkk.

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