A terceira perna
Sim, uma terceira perna, informe, desajeitada, quase não se articula com o resto do corpo, mas que vai nascendo devagar para depois ser arrancada. E foi assim que nasceu um invenção de texto: tenra e triste.
É o que tem pra hoje.
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E eu fiquei naquela, como moça sonsa que não sabe de nada e que de pouca verdade desconfia, fiquei inventando razões para a despedida tua que nunca houve. Um até- logo, vejo você algum dia, em breve, quando o destino for gentil e quiser que nos encontremos de novo, sei lá; inventei tudo para não me sentir tão sozinha. A verdade é que tudo sempre fora uma invenção: algumas tão boas que eram reais, outras que perderam o pó da fada e ficaram aprisionadas na memória que fazia de nós dois, mas que vislumbravam o real nos olhos de quem nos observava passar.
‘Que casal lindo’ era o que pensavam, digo isso porque sorriam e nos abençoavam em silêncio. Talvez você não tenha percebido, mas tenho todas essas cenas gravadas na pele, no clima, no arrepio que percorria a alma e chacoalhava tudo sem dó.
De qualquer forma, o tempo passou e continua a passar e não leva de mim nada de você. Tudo permanece instável e intacto. Tudo permanece como eu menos desejo, e desejo todas as noites poder te ver. E eu te via, e tu me vias, e nesse encontro o nosso encontro se encerrava: limpo, sem máculas, e redundante. Sim, tudo se tornava redundante. Talvez fosse igual a terceira perna de Clarice, aquela que insistia em crescer, querendo me dar a segurança de falsas verdades.
Ah, a verdade: tão cruel quanto um pôr-do-sol, tão doce como a morte. Mas era disso que precisávamos. Digo precisávamos porque embora você se achasse o dono da verdade, esta nunca possuístes. Tanto quanto eu, vivias no teu mundinho onde me permitiras entrar e ficar por algum tempo, até que decidistes ir embora e deixá-lo para mim. Te confesso: nada daquilo fez sentido. Agora tinha algo que nunca tinha pedido, mas que tinha recebido de bom grado – cavalo dado não se olha os dentes – e que, naquele momento, queria te devolver. Queria o meu próprio mundo: fosse como fosse, de verdades inventadas ou de mentiras sinceras, mas que fosse meu. Te confesso: você estaria nele, você estará nele. És agora minha terceira perna, meu apoio de mentira. Tento arrancar-te fora, mas como erva daninha insistes em nascer de novo – coisa que não deixa o jardim bonito, mas que só dá trabalho, e que castiga o pobre jardineiro.
A verdade (tantas!) é que nunca, jamais, poderei saber a veracidade dos fatos. Você se foi. E o que eu tenho não é suficiente para fazer você voltar: são só ervas daninhas. É só uma perna.
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