a última chance, pt1
Chegando em casa, jogou as malas num canto, pegou o telefone, procurou o número anotado num papel cortado que havia sido deixado dentro da gaveta do armarinho da sala.-Onde você tá? A voz do outro lado da linha murmurou uma resposta rápida e a contra-gosto. Ela desligou o telefone e saiu tão rápido quanto entrou.
Dirigiu até uma ruela de um bairro de classe baixa qualquer de cidade grande. Tá aí uma coisa que eu gosto nos cidades grandes, não é preciso descrever os bairros pobres, são todos iguais: meninos buchudos de cueca e peito nu correndo de um lado para o outro, segurando em uma das mãos uma fralda suja e uma chupeta, crianças dando à luz novas crianças, tão inconcientes de seus papéis no mundo. É sempre a mesma sujeira, o mesmo esgoto, lixo a céu aberto, ratos, baratas e gente amontoada. É bom ser assim porque me poupa de gastar adjetivos para diferenciar um bairro do outro, como fazem com os bairros ricos.
Ela estacionou em frente a um beco e de cara encontrou uma mulher com os cabelos bagunçados, a tintura loira dos cabelos agora mais parecia mechas californianas, mas sem brilho, sem qualquer vestígio de beleza ou vaidade. Antes fosse tosco. Uma obra mal acabada e sem valor. A pele era oleosa, as roupas um tanto surradas. A qualquer um pareceria ser uma puta barata, para a mulher, era aquela que foi sua melhor amiga.
-“Não precisava ter vindo.” Foram as palavras de recepção que ouviu.
Ela só a encarou. E ficou um tempo encarando, numa tentativa inútil de lembrar aquela menina que um dia fora sua amiga. Quase não se percebia os traços da menina que um dia tivera tudo; família, amigos, dinheiro, vida.
-Vai ficar aí olhando ou vai entrar?
Mais uma vez calada seguiu a mulher pelos becos sujos e parou em frente a um casebre, em meio de outros tantos, sem reboco, só tijolos e cimento, uma porta de alumínio e uma pequena janela à direita da porta.
Ela entrou, viu um sofá rasgado num canto, a casa um pouco suja e admirada pela própria imaginação que agora dava voltas pensando na vida que a vida levava, ficou inerte, em pé, com os olhos vazios e o coração batendo forte e apertado contra o peito.
-Vai sentar ou tá com nojo?
-Nina, não estou com nojo. Foi o que conseguiu dizer e sentou-se. Era verdade, ela não sentia nojo, o que ela sentia era algo mais parecido com incredibilidade. Como aquelas vezes em que você vê seu maior desejo perto de se tornar realidade e por qualquer coisa boba, vai tudo pelo ralo. E aí, você fica inerte, sem acreditar. Era isso: o sentimento era de nada. De inércia. De incredibilidade diante de um passado tão promissor e um presente tão promíscuo.
-É a aqui que você vive?
-Por que? Não está a sua altura?
-Por que você está agindo desse jeito comigo?
-Por que você veio aqui?
-Porque eu sou sua amiga.
-Minha amiga? Ah, você lembrou que eu existia? Qual é! Conta outra... Então a história é essa? Você lembrou de mim e resolveu constatar a minha miséria?
-Claro que não. E se você não lembra, você me tirou da sua vida.
-Eu tirei? Você resolveu ir embora...
Levantando-se do sofá, a mulher elevou seu tom de voz e desatou a falar o que, pelo visto, há anos estava engasgado na sua garganta.
-Escuta aqui, Nina. Eu fui embora porque já não sabia quem você havia se tornado. Sempre contando mentiras e se metendo com gente que não presta.
-Gente que não presta? –Disse a outra em um tom ainda mais alto e ansioso – A verdade é que você sempre se achou melhor que os outros. Ningué nunca era suficiente bom pra você!
-Você está louca! Não me admira você ter parado num beco, morando numa imundície que você chama de casa... sempre andando com traficantes de drogas e ladrõezinhos... e se achando o máximo! Sempre tão enturmada... até se tornar uma vagabunda e acabar, como é mesmo que você diz?! Ah, sim... casada com uma mulher que te bate e humilha.
-Sabe qual é o seu problema? Você nunca foi capaz de fazer amigos, você só tinha a mim. Aposto que me ver rodeada de tanta gente sempre te deu inveja...
A mulher parou. Encarou-a profundamente talvez procurando qualquer coisa que a fizesse lembrar o por quê de estar lá.
-Realmente... você tem razão. Esse tipo de gente não serve pra mim, Nina. Mas pelo menos, no fim do dia, eu sei quem eu sou. – Fez uma pausa breve e continuou – Foi besteira minha vir aqui. Ignorei todos os avisos, não devia ter vindo.
Uma narrativa muito interessante... Trata de vários temas espinhosos de uma só vez... Muito bom, e envolvente...
ResponderExcluirAguardo a continuação...
http://estacaoprimeiradosamba.blogspot.com/
nossa adorei seu texto e a forma como vc escreve..
ResponderExcluirprende nossa atençao do inicio ao fim adorei..
vi seu blog na comunidade de escritores eu escreveo tbm..se puder faça-me uma visita..
http://papiando-adoidado.blogspot.com
Muito interessante a postagem.
ResponderExcluirTexto de primeira!
Abrços!!!
http://redutonegativo.blogspot.com
Nunca é fácil achar o caminho.
ResponderExcluirLegal tua escrita...
ResponderExcluirA "carinha" do blog é linda...
bjos
http://draclaudiabenevides.blogspot.com
belo texto
ResponderExcluirhttp://thetronics.com.br/