Carta a um estranho.
E eu queria te contar de todas as coisas que ainda fazem meu
coração parar.
E queria te contar também das outras, tantas, que fazem meu
coração retomar o ritmo. Sempre que pensava ser possível, o grito, calava antes
de chegar a boca. Na verdade, se engasgava e eu, num esforço profundo, tentava
engolir. Nunca botar pra fora. Pra dentro, só ar. Talvez assim, acumulando ar e
ar, me expandisse e, esperançosamente, explodisse. Faltava coragem. Faltava
ordem. Faltava tanta coisa. E nesse estado, me faltavam também as palavras.
O pior silêncio que pode haver: aquele que faz eco aqui
dentro e não há uma palavra sequer que faça correspondência aqui fora. É uma
desordem ligeira. Um caos completo e mudo, e triste.
Ah, queria te contar tudo que meus olhos viram e que meu
coração já sonhou. De como as noites podem ser assustadoras e o raiar da manhã, assombroso quando não passa da constatação que mais um dia findou e você
ainda está ali; preso em si mesmo, sozinho no meio de tanta gente. A pior solidão
não é não ter alguém em quem confiar, é não saber o que fazer consigo mesmo e
ter aquela estranha sensação de que já não se é um bom lugar.
Já não sei confiar nas pessoas, e isso já faz muito tempo,
tanto que já nem me lembro, mas lembro-me a todo instante como consigo
desconfiar de tudo e de todos. Um cuidado desnecessário, mas as pessoas são
volúveis e são raras as que me fazem vomitar os medos, as dúvidas. Uma
melancolia de dar dó.
Queria te contar do sono profundo que me acomete à tarde, e
de como só tenho vontade de dormir até esquecer da vida, ou fazê-la esquecer de
mim. É um cansaço terrível. As pessoas me cansam, a vida me cansa e eu, como se
não bastasse, canso a mim mesma. E é o maior dos cansaços: estar numa pele que
você não se reconhece. Você força cada músculo a sorrir e mentir para todos os
outros que está tudo azul, elas acreditam e você tenta chorar. Mas não há
lágrimas. Poucas coisas hoje me comovem, e meu estado apático e patético não é
uma delas. Já não tenho pena de mim. Nem quero que os outros tenham, mas me dói
ver que as pessoas me olham e não enxergam. Me dói não perceberem que eu nunca
vou conseguir gritar por ajuda, o grito preso na garganta reverbera até os
olhos que clamam misericórdia, mas ninguém vê. Me tranco ainda mais. Tampouco
acho que alguém verdadeiramente se importará com tantos devaneios.
Honestamente, não há com o que se preocupar. Mas minhas palavras nunca foram
tão mentirosas e, ainda assim, tão convincentes.
Queria te contar que, hoje, me sinto numa encruzilhada
pensando, novamente, sobre o que estou fazendo da minha vida, com o que estou
fazendo com o que fazem de mim, com o que eu faço de mim e quem, honestamente,
sem máscaras, limpa, verdadeiramente, sou eu, afinal? Queria te contar de como eu
queria te contar tudo isso, mas será só mais um segredo, daqueles guardados em
silêncio dentro da alma, que eu não conto pra ninguém e raramente me atrevo a
desvendá-lo.
Queria te dizer que ultimamente estou pondo meu coração todo
em voga pela verdade. Ela existe? Embora saiba que a verdade liberta (liberta?),
temo que não queira dela tomar posse. Temo que, por tantos arranhões e feridas
e cicatrizes nessa pele, e as dúvidas infinitas que postergam toda dor, quando
for livre não saiba voar, ou pior, não queira. Um chão, por mais detestável que seja, não deixou de ser chão.
Ah, como eu queria te contar das coisas que fazem meu coração parar.
Ah, como eu queria te contar das coisas que fazem meu coração parar.
É muito sentimento pra um texto só. Parece que só pelo fato de ler, a gente também passa a sentir o nó na garganta. No final do texto, a gente percebe que essa dor também já foi nossa.
ResponderExcluirBoa boite moça.