embaçado
Antes que eu me esqueça porque já é tarde. Passou-se o tempo de ir dormir e deixar que os monstros ficassem, sorrateiros, embaixo da cama. Ainda na cama, minha mãe me embrulha com uma velha cantiga de ninar. Achei que já estivesse crescidinha demais para essas coisas de quando a gente ainda é pequeno, de quando a gente ainda não sabe do quanto gostar de alguém magoa.
Você apareceu assim, meio tímido, eu jurando que esperava por alguém como você. E vieram os sorrisos, as cenas embaladas num bolero, os sonhos cantados em bossa. Coisa bonita, coisa de gente que quer bem o outro. Coisa da gente. Coisa minha, penso eu, quieta de olhos fechados. Minha mãe, ao meu lado, ainda canta com a voz desafinada a cantiga, emendou em outra porque a primeira era muito curtinha e sendo mãe sabia que eu ainda precisava de colo.
Você sumiu, diz que é trabalho, será? A gente sempre arruma tempo quando a gente se importa, eu te dizia e ainda digo em pensamentos frágeis, baixinho, como se emanasse de mim uma vibração com o mais caloroso sentimento e chegasse até você. Num dia de sol, você se lembrará de mim. Assim eu peço em oração, quietinha, porque a cantiga tá muito boa e eu já estou quase deixando que os medos, que agora não são de monstros, desvaneçam no mistério incerto que é a vida.
E você me perguntou da minha vida. E eu fiquei meio sem jeito de responder. Caminhos tortuosos e complicados para quem acabou de reaprender a voar.
Tudo bem, deixa ser, deixa estar. Te digo alguns assombros que trago no peito, você me olha calado. Escuta tudo atento, pega minha mão e sorri. Acho que entendi tudo errado.
Amor que virou promessa, amizade que ficou presa no passado. Tudo bem, eu fiz o que pude. E isso é amar, afinal de contas. É ter esse sentimento latente que pulsa e clama por vida, por mais amor. Estar certa de que comprei o risco e nenhum momento me ausentei, em nenhum momento fui covarde, me faz dormir ouvindo uma cantiga infantil.
“Dorme, medo meu.”
Simplesmente.... Lindo!!!
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