despedida,

quarta-feira, novembro 24, 2010 0 Comments

-Espere. Não vá ainda. Eu te ajudo a se arrumar. - Disse com a voz embargada.

Ela pegou as roupas que estavam numa sacola próxima, as lágrimas escorrendo pelo rosto. Carregando não só a tristeza como também o amor que havia dentro dela.
Passou a camisa delicadamente pelo braço direito, depois o esquerdo, ajustou a roupa ao corpo e começou a abotoá-la.
-Você não precisa olhar pra mim desse jeito. Eu bem sei como você odeia precisar dos outros, principalmente para uma tarefa tão simples... Não é nada demais, garanto. - e deu uma piscadela e um meio sorriso. As lágrimas voltaram a deixar seu rastro molhado sobre a sua face.
-Esse silêncio é constrangedor, até mesmo pra gente... - Recomeçou – Você lembra do dia em que eu saí com o time de futsal, meu celular descarregou, o senhor não conseguiu falar comigo e entrou em desespero?! Bem, foi naquele dia que eu soube que o senhor chorou por mim. Nossa! Nunca me senti tão mal por fazê-lo chorar e, ao mesmo tempo, tão feliz. Era uma demonstração clara de amor. Ah! O amor! - Riu de se mesma – O senhor lembra como eu tinha medo de amar? Como eu sempre fugia dos meus pretendentes e de quando eu joguei tudo na sua cara, dizendo que era culpa sua?! Por ter mentido pra nós durante tanto tempo? … Não me orgulho do que disse, mas estava realmente chateada e peço desculpas por isso. Talvez seja um pouco tarde, mas peço mesmo assim.
A velhice não lhe fez tanto mal, sabe disse, não é?! O senhor ainda tem uns traços bem jovens, bem marcantes, bonitos. O senhor parece calmo, espero que realmente esteja.
-Deixe-me ajeitar essa gola...-continuou- O senhor se lembra de quando eu era criança e adorava ir ao sítio? Ficar com os cavalos, correr... nunca fui aquela menininha do papai, não é? Espero não ter te envergonhado... Eu acho que não. Mainha sempre disse que o senhor se orgulhava por eu não ser aquela garotinha que inspirava cuidados... -riu- é, acho que não fui tão ruim. Não sou tão ruim...
-Suspirou longamente- graças ao senhor. O senhor fez de mim uma pessoa melhor. Um ser humano melhor.

Lembra daquela vez que o senhor saiu de casa, como está fazendo agora? Adianta eu dizer que não precisa ir, não dessa vez? Acho que o senhor não tem noção da falta que fez e da falta que vai fazer agora. - Os olhos de seu pai permaneciam impassíveis, resignados. Ela percebeu a frieza e a distância no olhar, aquilo doeu por dentro, sabia que nada adiantaria, mesmo assim chorou e dessa vez deixou as lágrimas, e uns soluços de brinde, virem à tona, só calou o grito que berrava dentro de si, no âmago de sua existência. Segurou a mão dele e se acalmou, pouco a pouco. - Desculpe, não quero tornar as coisas mais dolorosas... mas quero que o senhor saiba que eu o amo, amo tanto... O senhor por favor não se esqueça de quem sou ou do que um dia representei para o senhor. Não me esqueça, não me esqueça – implorava docemente, chegando a parecer infantil.

Acho que está na hora de vestir as calças, não é? Já disse, não precisa me olhar dessa maneira. O senhor ficará bem, todos nós ficaremos bem. - Sorriu. Eu não sei se o senhor sabe, mas quando fui à Europa, conheci um certo senhor, já bem velhinho, que me dizia sempre que nos encontrávamos nas esquinas de Manchester, se eu sabia onde o meu tesouro estava escondido. No começo eu achei que ele estivesse ficando meio gagá por causa da idade e tudo mais, mas com o tempo ele foi me ensinando. Ele me deu umas dicas e cheguei à resposta de quem seria meu tesouro e lhe respondia sorrindo:-Minha família! É o meu tesouro, senhor Malcolm! E ele retrucava: - E onde eles estão agora? Eu respondia: No Brasil, em Recife! Uma bela cidade o senhor sa... Ele me interrompia e dizia: -Minha menina, você ainda não aprendeu, não é... Ficava chateada sempre que ele fazia isso. Custava ele parar de vez com as charadas? Bom, era sempre a mesma coisa até o dia em que ele pegou minha mão e disse: Querida, seu tesouro são as pessoas que você realmente ama e que verdadeiramente amam você, o que na maioria dos casos significa os verdadeiros amigos que você fez durante sua jornada e sua família. E eles não estão longe – ele colocou minha mão sobre o meu peito, perto do coração e continuou- eles estão bem aqui. Aonde quer que você vá, eles sempre estarão com você... eles são parte de você, assim como você é um pedaço deles.
Ah, pai! Só ali me dei conta que o meu coração e tudo que eu sou eu devo a vocês... uma boa parte do que sou só exite porque você existiu primeiro. Não vá... fique, por favor, estou lhe pedindo...
Disse sussurrando, as lágrimas agora caíam com mais violência.
Ficou ali, parada, olhando o pai, o tempo, o nada. Numa espécie de limbo pessoal, onde seus maiores medos confrontavam a pouca coragem que carregava junto a si.
Uma mão calorosa pousou sobre seu ombro e uma voz estremecida pelo medo, mas que ainda carregava a altivez da vida, disse-lhe carinhosamente: Vamos, filha. Já é o suficiente... é chegada a hora. O pessoal da funerária já vem pegar seu pai para levá-lo ao velório. Estão todos esperando, só a vida continua correndo. Vamos.





Para Felipe Sarafim;
meu querido, perdoe-me a falta de um texto melhor, há muito não escrevia e você sabe: a prática leva a perfeição. Infelizmente, meu conto está longe do esperado, mas fiz o melhor que pude. Para você, meu amigo! Este é todo seu.

Maggie

Some say he’s half man half fish, others say he’s more of a seventy/thirty split. Either way he’s a fishy bastard.

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